Coluna do Presidente: A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) é boa para quem?

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O futebol brasileiro foi tomado de grande euforia no final do ano passado com a notícia que Ronaldo Fenômeno havia “comprado” o Cruzeiro por 400 milhões de reais. Isso tudo por conta da promulgação da Lei 14.193/2.021, que trouxe a possibilidade de os clubes se transformarem em Sociedades Anônimas, o esperado clube-empresa. E como empresa, nele, a necessidade de existência de um dono.

Logo, torcedores de outros clubes que também se encontram numa péssima condição financeira começaram a se alegrar com a mesma possibilidade, que alguém chegue e resolva o problema, compre o clube, pague todas as dívidas, contrate jogadores de nível de seleção e faça que esse clube se torne campeão vários anos consecutivos.


Temos que ir com calma!
Essa medida é boa para quem?

1. Para o investidor, sim.
Esse ator, como o próprio nome descreve, chega para investir, e segundo o dicionário, nesse contexto, significa entrar na posse de; tomar posse de algo.

E é isso que o investidor vai fazer, assumir o controle da operação, porque aqui se trata de finanças, e gerir de acordo com os seus interesses. E os interesses, por sua vez, significam ter retorno financeiro, questão que não se liga de nenhuma forma com a busca direta de um trabalho voltado à melhoria técnica do time.

Só para deixar claro e traduzir o que eu disse acima, penso que é evidente que um investidor para ter cada vez mais retorno financeiro tem que ser o mais competitivo do mercado, fazer de seu produto o melhor, porém, e como já citado, essa pode ser a estratégia de um dono de clube ou não. Ele pode simplesmente “lapidar talentos” para repassar para clubes mais ricos sem se importar com os resultados das competições que disputa.

2. Para o torcedor, pode ser que sim! Pode ser!
Se a linha de gestão se direcionar para que o clube desenvolva como um todo, o torcedor vai ter alegrias porque com um trabalho preocupado com todos os detalhes que dizem respeito ao conhecimento do negócio como um todo, fatalmente, a consequência será a conquista de títulos. Se não for assim a expectativa inicial se transformará em enorme frustração. 

O torcedor tem dificuldade em entender e aceitar que, por mais que se coloque dinheiro no clube, a mudança de mentalidade leva tempo. São poucos os que entendem que os resultados de campo, aqueles que levam a ganhar títulos, são consequências da soma de várias ações anteriores, ou seja, consequências de um trabalho bem-feito.


Também, são poucos os que levam em consideração a concorrência. No mercado de produtos e serviços, por exemplo, pode se considerar bem-sucedido aquele que atinge o resultado satisfatório e positivo tendo por parâmetro, muito superficialmente falando, o valor de seu investimento, prazo de retorno etc.

No futebol somente é bem-sucedido aquele que se torna campeão e a SAF não foi criada essencialmente para que um clube se converta em campeão. Foi criada, como já dito, para que “investidores” entrem no futebol brasileiro, e quem investe quer retorno do investimento sem se preocupar o que será preciso ser feito para que isso aconteça.  

3. Para o clube, também pode ser que sim! Pode ser!
Voltando ao Cruzeiro, o primeiro a oficializar a transformação.

O aporte anunciado que será feito por Ronaldo, o investidor, é de 400 milhões contra uma dívida de 1 bilhão. Nem precisa ser tão inteligente para perceber que esse valor é insuficiente para colocar o clube na solvência e proporcionar outras possibilidades de negócios. Somente esta discrepância de números pode redundar em continuidade da insegurança. Mesmo sabendo que a dívida pode ser abatida paulatinamente, como tocar um negócio com resultados favoráveis trabalhando com uma dívida de 600 milhões?  

O valor da dívida tende a aumentar ainda um pouco mais porque nem todos os atletas e demais funcionários que foram dispensados nos últimos anos sem receber seus valores de direito se encontram com seus processos na fase de execução. 

O mesmo investidor, Ronaldo, em sua outra operação pelos campos da Espanha, mesmo que tenha melhorado a administração e as finanças do clube, o levou ao descenso depois de três anos comandando a gestão. Esse fato seria suportável aqui no Brasil?

A tendência é que o investidor, pelo menos em médio e longo prazo, torne o clube saudável financeiramente. O problema será o custo junto à torcida que, na verdade, é a que alimenta todo esse processo. Se a torcida não “comprar” a posição do investidor e perder o interesse pelo clube não haverá conversão de um clube em empresa que se sustentará.

4. Para o atleta profissional: quando já efetivada a transição será ótimo; na transição, será ruim!
Uma Sociedade Anônima do Futebol pressupõe responsabilidade pessoal dos donos e/ou gestores e era exatamente isso que nós vimos requerendo há muito tempo. E por que a responsabilidade pessoal é tão importante nesse contexto? Para trazer para um patamar verdadeiramente profissional as tomadas de decisão.

Se hoje os dirigentes contratam sem dinheiro por interesses pessoais, coisa que deixou os clubes em situação de total insolvência, havendo a responsabilidade direta dele o cenário muda de figura. Se ficar devendo vai ter que responder de um jeito ou de outro.

Desta forma, e depois que a sociedade anônima já estiver concretizada, não haverá mais essa história de jogador deixar de receber salários. Essa é a parte boa.

Por outro lado, a lei que propôs a possibilidade de criação das SAFS proporciona a condição da não sucessão total das dívidas.  O que seria isso?

De todo o aporte do investidor/dono, somente 20% (vinte por cento) num primeiro momento que será destinado ao pagamento das dívidas, o que numa simples análise, se percebe que vai ficar muita gente sem receber os salários do período que já trabalhou e defendeu a camisa do clube, já que a grade maioria dos funcionários que não recebeu foram os jogadores.

Além disso, os credores terão que entrar numa fila e receber conforme o clube vai arrecadando, sendo que esse prazo pode chegar a dez anos.

5. E para o futebol brasileiro? Pode ser a salvação!
Seria interessante pesquisar para entender como o futebol se organizou lá no seu início.

Quem o fizer vai saber que a alavanca que proporcionou, inclusive, a conquista do primeiro título mundial de 1958 foi a concorrência entre clubes. Não se pode esquecer, também, que em 1950 o Brasil já figurava como um dos líderes mundiais.

Que concorrência seria essa? Aquela que fez com que os clubes profissionalizassem os jogadores. E profissionalizaram, primeiro, para que eles – os jogadores profissionais que eram advindos das camadas sociais mais baixas – fizessem frente aos jogadores filhos da elite e, depois, para que não fossem jogar no exterior que já pagava salário.  

Nesse breve resumo, traçando o paralelo que se pretende aqui e pela experiencia que tenho nas relações internacionais que tive quando fui membro de comissões da FIFA e dirigente do Sindicato Mundial, entendo que a organização de fora reflete no resultado de dentro. Ou seja, quanto mais organizado estiver o clube com a visão mais ampla e simbiótica entre a gestão e o futebol, trabalhado em todo o seu “terreno de jogo”, fatalmente, muitos títulos virão.
Assim, mesmo que o investidor/dono não queira ou não for essa a primeira intenção, ele vai ter que, até mesmo para manter o seu negócio, trabalhar em busca de conquistar títulos.

E quem é capaz de não apoiar, a não ser aquele torcedor míope, que em cada competição todos os clubes iniciem com a possibilidade de conquistar o título? Se isso acontecer o futebol é que vai ganhar.
Rinaldo Martorelli
Presidente do Sindicato de Atletas SP. 

Por: Patrícia Lima

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Sobre o Autor

Formado em Educação Física e especializado em Jornalismo Esportivo. Editor e proprietário do Templo dos Esportes

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