SAF E AS DÍVIDAS TRABALHISTAS

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Por Guilherme Martorelli, Advogado e Coordenador Jurídico do Sindicato de Atletas de São Paulo

Para quem ainda não está totalmente a par das alterações legais dentro da esfera desportiva, em outubro de 2021 foi criada a Lei da Sociedade Anônima do Futebol – “SAF” (Lei n.º 14.193/2021).
Tal Lei tem o viés de estimular a alteração estatutária dos clubes de futebol, sendo que hoje a imensa maioria se encontra como Associações sem fins de lucro, isso quer dizer, que em tese, pelo menos em tese os clubes não visam lucro dentro da sua atividade econômica e sim a manutenção do clube entre outras possibilidade de associações com tal denominação.
Porém não é de hoje que as atividades financeiras dos clubes, claramente tem a finalidade econômica com uma de suas principais, gerando faturamentos bilionários em alguns casos, ainda receitas vultuosas e contratos cada vez com valores maiores.
Em contramão do avanço da situação financeira dos clubes se encontram gestões não tão avançadas que acabam por levar diversos prejuízos a esses clubes, sendo dívidas trabalhistas, sendo por vezes dívidas tributárias, mesmo nesse modelo estatutário que não visa o lucro tendo diversas regalias com respeito, principalmente na esfera tributária.
Assim, por interesses diversos foi criada e aprovada a já famosa Lei da SAF, que permite essa alteração estatutária, o que antes desta tampouco era proibido, porém, com a nova lei o clube de futebol ainda consegue adquirir algumas regalias para a transformação em Sociedade Anônima, como por exemplo a possibilidade de “estancamento” das dívidas do clube.
Como funciona isso em teoria.
Em teoria, de acordo com o artigo 13 da Lei o clube que vier a alterar sua forma, seja essa alteração por qualquer das possibilidade aceitas pela lei, poderá escolher a forma de pagamento de suas dívidas entre Concurso de Credores através do Regime Centralizado de Execuções “RCE”, ou por meio da Recuperação Judicial “RJ” ou Recuperação Extrajudicial “REJ” nos termos da lei específica das RJ ou REJ (Lei n.º 11.101 de 2005).
O que isso quer dizer que na prática o clube que fizer a transformação em SAF terá o benefício direto do estancamento da tentativa de recebimento das dívidas pelos seus credores, assim, todas as dívidas trabalhistas são centralizadas em um processo, e somente esse processo que pode movimentar a execução contra o clube, vejamos o art. 10:
“Art. 10. O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente:
I – por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do caput do art. 13 desta Lei;
II – por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista.”
Para o pagamento destas dívidas do “RCE”, somente 20% das receitas correntes poderão ser destinadas a esse pagamento, ficando todo o restante livre para o clube gerenciar como bem entender.
Aqui já se inicia a primeira discussão de interpretação, do que seriam as receitas correntes, se os valores oriundos de patrocínio, de transferência de atletas, e de cota de transmissão de competições fariam parte dessas receitas ou não.
Seguindo entramos na discussão a respeito do que seriam destinados como os 50% dos dividendos e dos juros, ou outra remuneração recebida desta, entre outras discussões.
Ainda, devemos ter em conta se a justiça do trabalho levará como base para a execução das dívidas a Lei da SAF ou outras que podem ser aplicadas, pois de acordo com a Lei da SAF o CNPJ do clube SAF, que é outro do clube anterior, não poderia ser executado. Porém já existem alguns entendimentos judiciais de que as duas entidades, clube associação e clube SAF são solidários no pagamento das dívidas, como no caso do processo n.º 0010138-15.2022.5.03.0109, em que o juiz entendeu ocorrer o que chamamos de grupo econômico entre as duas entidades e desta maneira existe a responsabilidade de ambas ao pagamento da dívida de qualquer uma delas, assim como no processo n.º 0010052-44.2022.5.03.0012.
Logo percebe-se que algumas discussões ainda deverão movimentar o judiciário em respeito as SAF’s e as responsabilizações destas frente as dívidas adquiridas pelos clubes como associações.

Por: Patrícia Lima

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Sobre o Autor

Formado em Educação Física e especializado em Jornalismo Esportivo. Editor e proprietário do Templo dos Esportes

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